domingo, 11 de março de 2018

Manifesto Sertanejo pelo Cuidado em Liberdade



Manifesto Sertanejo pelo Cuidado em Liberdade

A Reforma Psiquiátrica e os movimentos antimanicomiais foram responsáveis por iniciar e fortalecer a luta, que segue em curso, contra o modelo excludente e violento tradicionalmente adotado nos tratamentos relacionados às  demandas de Saúde Mental, centrado no “manicômio” ou “hospício”.
No Brasil, essa luta vem se forjando há pouco mais de três décadas, na construção de uma política pública substitutiva a qualquer procedimento que remeta a antigas e/ou violentas “técnicas”: o isolamento em cela forte, o eletrochoque, a camisa-de-força, os giros que “tiram” demônios, a lobotomia, o choque insulínico, a contenção química, o abandono, a higienização, os navios dos loucos, os sofrimentos e vidas sucumbidas dentro dos grandes muros que enclausuram modos diversos de existir.
A Lei que legitima a Reforma Psiquiátrica (10.216/2001) demarca a conquista do acesso aos cuidados em saúde  mental pautados no respeito, na liberdade, na integralidade, no protagonismo e empoderamento de usuários/as, no fortalecimento do direito à cidadania. Ainda assim, já vinha sendo boicotada de diversos modos, nas mínimas brechas, desde a manutenção de algumas instituições manicomiais até o subfinanciamento e precarização dos dispositivos que compõem a rede substitutiva em detrimento do fortalecimento de interesses privatistas de caráter manicomial.
Contrário à decisão (im)posta, sem a mínima discussão intersetorial com usuários/as, profissionais, movimentos sociais da área e comunidade, o Núcleo de Mobilização Antimanicomial do Sertão vem a público manifestar repúdio frente às mudanças na Política Brasileira de Saúde Mental. É inaceitável qualquer tipo de mudança na RAPS que ameace retroceder ou impedir o avanço em uma política que existe com o intuito de substituir o modelo hospitalocêntrico e manicomial, por definição, violador de direitos.
Apostando no trabalho em rede na lógica territorial, continuaremos defendendo a ampliação e a consolidação de serviços de atenção psicossocial, o aumento de leitos de saúde mental em hospitais gerais e o cuidado em liberdade.
Isso significa dizer que não aceitaremos o fortalecimento dos hospitais psiquiátricos, o retorno dos ambulatórios em saúde mental e a permanência das comunidades terapêuticas na RAPS.
Continuaremos olhando para as nossas companheiras e os nossos companheiros e seguindo de mãos dadas, reafirmando nosso horizonte: uma sociedade sem manicômios. Ele continuará norteando nossas batalhas ideológicas e nossa caminhada existencial, guiando os avanços que há muitas gerações são necessários. Não exitaremos, pois nossas mãos estão entrelaçadas, nossos olhares estão atentos, nossos ouvidos cansados de discursos violadores, nossos pés cada vez mais conscientes do chão que pisam, enraizados. A força sertaneja nos alimenta e instiga para voltar quando for necessário reconhecer qualquer ameaça e construir uma nova estratégia que não fira o direito das  Marias e dos Joões (e do seus e nossos) de serem exatamente como são, de fazerem o que é possível fazer e de terem acesso às mais diversas estratégias de cuidado, desde as tecnologias mais leves até às mais pesadas, desde que não se alimentem da perversa lógica manicomial...

Saudações antimanicomiais!
Sertão do Submédio São Francisco, 02 de Março de 2018.